{"id":1960,"date":"2014-07-26T10:28:21","date_gmt":"2014-07-26T13:28:21","guid":{"rendered":"http:\/\/rabis.co\/migramissaopos\/?p=1960"},"modified":"2018-02-17T23:53:02","modified_gmt":"2018-02-18T01:53:02","slug":"nem-so-de-observacao-vive-a-ciencia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/missaoposmoderna.biblecast.com.br\/2014\/07\/nem-so-de-observacao-vive-a-ciencia\/","title":{"rendered":"Nem s\u00f3 de observa\u00e7\u00e3o vive a ci\u00eancia"},"content":{"rendered":"
Como funciona a ci\u00eancia? Nesta s\u00e9rie de textos, esperamos que os leitores possam aprender um pouco sobre o funcionamento de um dos mais importantes empreendimentos do conhecimento feito pelo ser humano.<\/i><\/p>\n A concep\u00e7\u00e3o de ci\u00eancia que encontramos popularizada no senso comum \u00e9 fruto do\u00a0indutivismo<\/i>. Para quem o advoga, conhecimento cient\u00edfico \u00e9 conhecimento que foi testado e provado. Esse tipo de saber seria seguro e absolutamente confi\u00e1vel porque come\u00e7aria e dependeria apenas das observa\u00e7\u00f5es e das an\u00e1lises emp\u00edricas. Em outras palavras, qualquer pessoa, empregando seus sentidos de forma rigorosa e utilizando ferramentas adequadas, pode fazer experimentos e obter um conjunto X de dados de forma objetiva. Na pr\u00e1tica, ela pode perceber que um metal aquecido at\u00e9 a temperatura X\u00a0sempre<\/i>\u00a0ir\u00e1 derreter ou que a \u00e1gua abaixo de Y\u00ba C\u00a0sempre<\/i>\u00a0ir\u00e1 congelar.<\/p>\n Com os fatos adquiridos pela observa\u00e7\u00e3o, o cientista formula leis e teorias que expliquem aquele dado fen\u00f4meno em condi\u00e7\u00f5es universais, ou seja, dadas determinadas condi\u00e7\u00f5es ambientais, o metal sempre ir\u00e1 aquecer e a \u00e1gua sempre ir\u00e1 congelar. Em tese, o conhecimento da ci\u00eancia seria assim alcan\u00e7ado\u00a0somente<\/i>\u00a0pela observa\u00e7\u00e3o. Se os dados apontam para essa universaliza\u00e7\u00e3o, constr\u00f3i-se uma teoria que sempre explicar\u00e1 essas informa\u00e7\u00f5es. Os dados viriam antes, as teorias depois. Em tese, o que ter\u00edamos hoje como fatos cient\u00edficos seriam frutos desse processo observacional, constru\u00edda sobre fatos e que tem na experi\u00eancia sua fonte de conhecimento \u2013 sendo, por isso, confi\u00e1veis. <\/p>\n Essa forma de descrever a ci\u00eancia n\u00e3o faz justi\u00e7a ao m\u00e9todo cientifico e n\u00e3o \u00e9 v\u00e1lida por v\u00e1rias raz\u00f5es. Um dos motivos \u00e9 que o principio da indu\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 logicamente v\u00e1lido. Explico: o que caracteriza um racioc\u00ednio\u00a0dedutivo<\/i>\u00a0\u00e9 que dada a veracidade de suas premissas, a conclus\u00e3o \u00e9 l\u00f3gica e inevit\u00e1vel. Se for verdade que (a) tudo que come\u00e7a a existir tem uma causa, e se for verdade tamb\u00e9m que (b) o Universo come\u00e7ou a existir, segue-se l\u00f3gica e necessariamente que o (c) Universo tem uma causa.<\/p>\n Mas com a indu\u00e7\u00e3o n\u00e3o funciona assim. Na indu\u00e7\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel ter premissas verdadeiras e uma conclus\u00e3o falsa. Na verdade, \u00e9 poss\u00edvel at\u00e9 ter um n\u00famero X de premissas verdadeiras e uma conclus\u00e3o aberta. O interessante \u00e9 que isso n\u00e3o \u00e9 uma contradi\u00e7\u00e3o. Afinal, para estabelecer uma regra geral, o\u00a0racioc\u00ednio<\/i>\u00a0indutivo parte de um grupo particular de observa\u00e7\u00f5es. E quantas observa\u00e7\u00f5es seriam confi\u00e1veis a fim de oferecer uma generaliza\u00e7\u00e3o universal? \u00c9 imposs\u00edvel saber. Depois de olhar um n\u00famero significativo de gansos, n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel dizer que todos os gansos s\u00e3o brancos. Isso por uma raz\u00e3o simples: nem todos os gansos do mundo foram observados. Pode existir em algum lugar do Universo um ganso que seja azul!<\/p>\n Um bom exemplo do por que o m\u00e9todo indutivista n\u00e3o \u00e9 logicamente v\u00e1lido foi dado por Bertrand Russel (1872-1970). \u00c9 a est\u00f3ria do peru indutivista. Diz Russel que, numa\u201cfazenda de perus\u201d, um dos perus rec\u00e9m-chegados foi alimentado \u00e0s 9h da manh\u00e3 no primeiro dia.\u00a0No\u00a0segundo dia\u00a0foi\u00a0mesma\u00a0coisa. Terceiro dia,\u00a0idem. Quarto… Sempre \u00e0s 9h, sempre pela manh\u00e3 e sempre\u00a0no mesmo hor\u00e1rio.\u00a0Mas, sendo um indutivista cauteloso, ele decidiu n\u00e3o se apressar em suas conclus\u00f5es. Assim, resolveu analisar friamente e sem pressa uma grande quantidade de fatos.<\/p>\n Depois de observar\u00a0uma grande quantidade de\u00a0\u201cdados\u201d, depois de muitos (muit\u00edssimos) dias de observa\u00e7\u00e3o, o peru percebeu que sempre \u00e0s 9h da manh\u00e3 ele era alimentado, independentemente\u00a0do dia, m\u00eas, tempo ou esta\u00e7\u00e3o do ano.\u00a0Fa\u00e7a chuva, fa\u00e7a sol, quente ou frio, dia \u00fatil ou feriado, quando dava 9h, estava l\u00e1 o alimento.<\/p>\n Assim,\u00a0o peru\u00a0concluiu corretamente:\u00a0\u201cSou alimentado sempre \u00e0s 9h da manh\u00e3.\u201d\u00a0O problema foi que na v\u00e9spera do Natal, \u00e0s 9h da manh\u00e3,\u00a0ele n\u00e3o foi alimentado,\u00a0mas degolado.\u00a0Suas observa\u00e7\u00f5es eram corretas,\u00a0mas sua conclus\u00e3o n\u00e3o necessariamente era logicamente v\u00e1lida.<\/p>\n Moral da hist\u00f3ria: uma infer\u00eancia indutiva, ainda que com premissas verdadeiras, pode levar a conclus\u00f5es falsas. Na ci\u00eancia, o m\u00e9todo indutivo \u00e9 importante, mas\u00a0limitado. Afinal, quantas observa\u00e7\u00f5es s\u00e3o suficientes para\u00a0\u201cjustificar\u201d\u00a0um dado cient\u00edfico? Dez? Mil? Cem mil?\u00a0E\u00a0em quantas\u00a0\u201ccondi\u00e7\u00f5es diversas\u201d\u00a0\u00e9 preciso fazer isso para garantir que a observa\u00e7\u00e3o X \u00e9 universal, sempre ocorreu, sempre foi assim e sempre ser\u00e1?<\/p>\n Um dos pontos interessantes \u00e9 que, na indu\u00e7\u00e3o, o contr\u00e1rio tamb\u00e9m \u00e9 complicado, ou seja, uma \u00fanica observa\u00e7\u00e3o \u00e9 capaz de induzir o observador para a conclus\u00e3o X. Pense bem: quantas bombas at\u00f4micas precisam ser lan\u00e7adas para concluirmos que bombas at\u00f4micas causam destrui\u00e7\u00e3o em massa e trazem sofrimento para os humanos? N\u00e3o seria inadequado pedir mais de uma? \u201cAh, mas isso parece \u00f3bvio.\u201d\u00a0Parece<\/i>. O que \u00e9 \u00f3bvio para uma pessoa pode n\u00e3o ser para outra. O \u201c\u00f3bvio\u201d se baseia, em grande parte, em nossa cultura, imagin\u00e1rio, conceitos e preconceitos. Ou seja, \u00e9 algo relativo \u2013 n\u00e3o sendo por isso um guia confi\u00e1vel (afinal, n\u00e3o \u00e9 obvio que o Sol gira em torno da Terra?).<\/p>\n Isso n\u00e3o quer dizer que o m\u00e9todo indutivo e a observa\u00e7\u00e3o n\u00e3o sejam importantes para o conhecimento cientifico. Eles s\u00e3o. \u00c9 seguro dizer que a ci\u00eancia se baseia em grande medida no m\u00e9todo indutivo. Mas ele n\u00e3o \u00e9 crit\u00e9rio de demarca\u00e7\u00e3o para definir o que \u00e9 ou n\u00e3o \u00e9 \u201cci\u00eancia\u201d.<\/p>\n (Bruno Ribeiro\u00a0\u00e9 formando em Comunica\u00e7\u00e3o Social [R\u00e1dio e TV] pela Universidade Federal da Para\u00edba e mestrando pelo Programa de P\u00f3s-Gradua\u00e7\u00e3o em Comunica\u00e7\u00e3o na mesma institui\u00e7\u00e3o. Retirado do site Criacionismo<\/a>.)<\/i><\/p>\n Refer\u00eancias:<\/strong><\/p>\n ALVES, Rubem.\u00a0Filosofia da ci\u00eancia: introdu\u00e7\u00e3o ao jogo e suas regras.<\/strong>\u00a0S\u00e3o Paulo, Loyola, 2006.<\/p>\n CHALMERS, Alan.\u00a0O que \u00e9 ci\u00eancia afinal?<\/strong>\u00a0S\u00e3o Paulo: Brasiliense, 1993.<\/p>\n RUSSEL, Bertrand.\u00a0Os problemas da filosofia.<\/strong>\u00a0Lisboa: Edi\u00e7\u00f5es 70, 2008.<\/p>\n <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Como funciona a ci\u00eancia? Nesta s\u00e9rie de textos, esperamos que os leitores possam aprender um pouco sobre o funcionamento de um dos mais importantes empreendimentos do conhecimento feito pelo ser humano. A concep\u00e7\u00e3o de ci\u00eancia que encontramos popularizada no senso comum \u00e9 fruto do\u00a0indutivismo. 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