{"id":1589,"date":"2014-04-28T13:37:22","date_gmt":"2014-04-28T16:37:22","guid":{"rendered":"http:\/\/rabis.co\/migramissaopos\/?p=1589"},"modified":"2018-02-17T23:53:07","modified_gmt":"2018-02-18T01:53:07","slug":"noe-graca-e-ficcao","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/missaoposmoderna.biblecast.com.br\/2014\/04\/noe-graca-e-ficcao\/","title":{"rendered":"No\u00e9, gra\u00e7a e fic\u00e7\u00e3o"},"content":{"rendered":"
No s\u00e1bado passado, 26 de abril,\u00a0Bruno Ribeiro Nascimento, mestrando em comunica\u00e7\u00e3o (UFPB), falou sobre o filme No\u00e9 em um culto jovem (JA) ocorrido em Jo\u00e3o Pessoa (PB). Abaixo est\u00e1\u00a0um pequeno roteiro da palestra, escrito pelo pr\u00f3prio Bruno.<\/p>\n 1 \u2013 Falsa dicotomia entre sagrado e secular<\/strong><\/p>\n Tom\u00e1s de Aquino, um dos mais importantes te\u00f3logos da hist\u00f3ria da teologia crist\u00e3, fez uma distin\u00e7\u00e3o entre natureza e gra\u00e7a, com o poss\u00edvel objetivo de ser\u00a0\u2018did\u00e1tico’ numa discuss\u00e3o em que abordava o sobrenatural.<\/p>\n Independentemente de sua motiva\u00e7\u00e3o, o que aconteceu na pr\u00e1tica foi que o conceito influenciou a igreja da Idade M\u00e9dia de uma forma, no m\u00ednimo, estranha \u00e0 B\u00edblia. Na \u2018teologia dos bancos\u2019, existem duas realidades paralelas: a da igreja e a do mundo l\u00e1 fora, do sagrado e do secular. O sagrado estaria relacionado \u00e0s coisas que algu\u00e9m faz para a igreja: pregar, cantar, orar, ser pastor, tirar d\u00edzimo etc. O secular \u00e9 o que voc\u00ea faz no dia a dia: trabalhar, estudar, caminhar etc.<\/p>\n N\u00f3s, protestantes de tradi\u00e7\u00e3o evang\u00e9lica, abra\u00e7amos esse conceito da Idade M\u00e9dia com muita facilidade: algu\u00e9m s\u00f3 trabalha para Deus se for pastor, se trabalhar num hospital adventista ou numa escola batista. Caso n\u00e3o seja, ent\u00e3o o trabalho \u00e9 algo \u2018secular\u2019, voc\u00ea est\u00e1 fazendo para seu sustento, para fins \u2018n\u00e3o santos\u2019, ou qualquer outra coisa que dizem por a\u00ed. H\u00e1 uma separa\u00e7\u00e3o estanque: de um lado, o \u2018trabalho de Deus\u2019, que \u00e9 aquilo que algu\u00e9m faz na igreja; do outro, \u2018o trabalho secular\u2019, que \u00e9 aquilo que algu\u00e9m faz para estudar, trabalhar etc. S\u00e3o dois mundos diferentes.<\/p>\n <\/p>\n O interessante \u00e9 que esse conceito dicot\u00f4mico [isto \u00e9, de separa\u00e7\u00e3o] \u00e9 estranho \u00e0 revela\u00e7\u00e3o das Escrituras e a mentalidade do povo de Deus tal como revelada no Antigo e no Novo Testamento. A B\u00edblia exalta a boa cria\u00e7\u00e3o de Deus. Afinal, no sexto dia, \u201cDeus viu tudo o que havia feito, e tudo havia ficado muito bom\u201d (Gn 1:31). Os israelitas tinham uma vis\u00e3o tal que Deus integrava todos os aspectos de sua vida, n\u00e3o apenas a \u2018religiosa\u2019, em conformidade com a vis\u00e3o de que o mundo \u00e9 fruto da boa cria\u00e7\u00e3o do Senhor. O pr\u00f3prio Deus instituiu a festa da Expia\u00e7\u00e3o (Lv 23:28) e\u00a0a festa dos Tabern\u00e1culos (Lv 23:34), para comemorar tanto os pecados perdoados quanto a colheita final do outono.<\/p>\n Perceba que Deus tocava em cada ponto da vida dos israelitas, cada esfera da sua exist\u00eancia. A identidade do povo de Israel girava em torno de Deus. Nesse sentido, n\u00e3o<\/strong>\u00a0havia essa dicotomia entre sagrado e secular. Ela \u00e9 estranha \u00e0 revela\u00e7\u00e3o. O chamado para ser pastor \u00e9 um chamado divino, da mesma forma que o chamado para ser m\u00e9dico nos postos de sa\u00fade, para ser eletricista numa empresa, ser professor numa escola, ser jornalista numa TV, ser m\u00e3e na educa\u00e7\u00e3o de um filho. Paulo falou claramente que o trabalho dos escravos deveria ser feito de cora\u00e7\u00e3o, \u201cde boa vontade, como servindo ao Senhor e n\u00e3o aos homens\u201d (Ef 6:7). Por qu\u00ea? Porque o conceito paulino, em conformidade com o pensamento hebreu, \u00e9 que \u201cnenhum de n\u00f3s vive apenas para si, e nenhum de n\u00f3s morre apenas para si. Se vivemos, vivemos para o Senhor; e, se morremos, morremos para o Senhor. Assim, quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor\u201d (Rm 14:7-8).<\/p>\n Por que isso \u00e9 importante no entretenimento? Ora, devemos abandonar o conceito n\u00e3o<\/strong>\u00a0b\u00edblico<\/strong> de sagrado e secular, coisas da igreja (que s\u00e3o para Deus) e coisas que n\u00e3o s\u00e3o da igreja (e que, portanto, n\u00e3o seriam diretamente para Deus). A pergunta:\u00a0\u201cPodemos ouvir m\u00fasica que n\u00e3o \u00e9 da igreja?\u201d\u00a0reflete claramente essa falsa<\/strong>\u00a0dicotomia (ali\u00e1s, como gostamos de uma dicotomia!). A ideia por tr\u00e1s desse conceito err\u00f4neo \u00e9 que s\u00f3 fazemos algo para Deus quando operamos na esfera da igreja. Por isso, caso algu\u00e9m venha a assistir um filme, ler um livro que n\u00e3o seja a B\u00edblia (ou de\u00a0Ellen White\u00a0ou outro \u2018livro da igreja\u2019), ouvir uma m\u00fasica que n\u00e3o seja \u2018de Jesus\u2019 etc., essa pessoa estar\u00e1 perdendo seu tempo que deveria ser gasto nas \u2018coisas de Deus, com coisas mais espirituais, com coisas do Alto\u2019. E se<\/strong>, em casos extremos (coisa de vida e morte, ou seja, em \u00faltimo caso), algu\u00e9m venha a contemplar algo que n\u00e3o seja \u2018funcional\u2019, que n\u00e3o serve para nada, de natureza est\u00e9tica (um filme, um romance, um desenho), deve ter o m\u00e1ximo dos m\u00e1ximos de escr\u00fapulo poss\u00edvel, fazer uma acurada e exaustiva investiga\u00e7\u00e3o para n\u00e3o se contaminar com alguma \u2018mensagem subliminar por tr\u00e1s\u2019\u00a0(ah, se tiv\u00e9ssemos esse mesmo escr\u00fapulo em\u00a0nossos p\u00falpitos!).<\/p>\n Essa vis\u00e3o simplesmente desconsidera que Deus \u00e9 o Deus do belo, da arte, da est\u00e9tica, da boa cria\u00e7\u00e3o (ca\u00edda, \u00e9 verdade, mas que tem o parecer de \u2018muito boa\u2019), da criatividade. \u00c9 claro que a queda nos afastou do Senhor e o pr\u00edncipe desta era reina e vem fazendo o m\u00e1ximo poss\u00edvel para desvirtuar a boa cria\u00e7\u00e3o de Deus. Por isso, devemos conceber novamente a primazia de nossa exist\u00eancia para o Senhor Deus e, para isso, devemos coloc\u00e1-lo em cada ponto de nossa vida, com uma vis\u00e3o integral que fuja o mais r\u00e1pido poss\u00edvel desse falso antagonismo.<\/p>\n 2 \u2013\u00a0Natureza de um texto de fic\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n Como disse certa vez Ant\u00f4nio C\u00e2ndido: \u201cO aspecto mais importante para o estudo de uma fic\u00e7\u00e3o \u00e9 o que resulta da an\u00e1lise de sua composi\u00e7\u00e3o, n\u00e3o da sua compara\u00e7\u00e3o com o mundo real\u201d. A preocupa\u00e7\u00e3o da fic\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9<\/strong>\u00a0descrever o que aconteceu, mas sim o que poderia ter acontecido dentro do campo da verossimilhan\u00e7a, do prov\u00e1vel e do necess\u00e1rio (Arist\u00f3teles). Uma fic\u00e7\u00e3o \u00e9 um universo paralelo, uma realidade criada, com suas leis pr\u00f3prias e distintas do universo do real.<\/p>\n Numa obra de fic\u00e7\u00e3o devemos estar atentos a como<\/strong>\u00a0o autor recriou seu universo simb\u00f3lico, ou seja, como ele, dentro das possibilidades simb\u00f3licas, recriou um universo que lhe \u00e9 pr\u00f3prio. Assim, devemos respeitar as refer\u00eancias dentro<\/strong>\u00a0da obra, procurando fazer uma conex\u00e3o perfeitamente unit\u00e1ria na constitui\u00e7\u00e3o do enredo. Devemos entender que, na fic\u00e7\u00e3o, a verossimilhan\u00e7a \u00e9 empregada a fim de criar um universo ficcional aceit\u00e1vel que conven\u00e7a o espectador de sua poss\u00edvel exist\u00eancia no mundo real, mesmo que esse universo seja totalmente idealizado e imaginado. Se isso acontecer, provavelmente o espectador aceitar\u00e1 a realidade<\/strong>\u00a0da obra.<\/p>\n Exemplo: sabemos que na realidade o homem n\u00e3o<\/strong>\u00a0voa. No entanto, se eu disser que h\u00e1 um homem, mas que n\u00e3o \u00e9 humano, que veio de outro planeta (Krypton) e que, por causa do nosso jovem sol, ele adquire super-poderes, para a l\u00f3gica interna da narrativa, isso faz total sentido, ainda que na realidade n\u00e3o seja poss\u00edvel tal processo<\/strong>. Uma obra ficcional fracassa n\u00e3o\u00a0quando ela disse algo que n\u00e3o \u00e9 real, mas quando sua estrutura interna falha em montar um universo poss\u00edvel, quando h\u00e1 um furo em sua verossimilhan\u00e7a.<\/p>\n Al\u00e9m disso, numa fic\u00e7\u00e3o audiovisual (filme), o enredo precisa ser mostrado<\/strong>. Demos v\u00e1rios exemplos de met\u00e1foras visuais: no filme Titanic<\/i> (de James Cameron) h\u00e1 uma cena em que a m\u00e3e de Rose, Ruth, insiste que ela deve\u00a0se casar com Cal (filho de um magnata) a fim de que a rela\u00e7\u00e3o possa resolver os problemas financeiros da fam\u00edlia DeWitt Bukater. Mas como isso \u00e9 mostrado? Ruth, ao amarrar o vestido de Rose, fala sobre a import\u00e2ncia desse casamento, do porqu\u00ea a filha ter de aceitar essa situa\u00e7\u00e3o a contragosto etc. Enquanto vai amarrando<\/strong>\u00a0o vestido dela, Ruth vai cada vez mais apertando<\/strong>\u00a0o vestido de Rose, cada vez mais forte a fim de literalmente amarrar<\/strong>\u00a0a filha no casamento com Cal. O autor n\u00e3o\u00a0diz que a m\u00e3e \u2018amarrou\u2019 a filha no casamento. Ele mostra isso!<\/p>\n Nesse sentido, quando se trata de B\u00edblia e a fim de que uma narrativa funcione<\/strong>, nem sempre o diretor ir\u00e1 seguir a hist\u00f3ria de forma fiel porque, se o fizer, pode n\u00e3o funcionar<\/strong>. No filme O Pr\u00edncipe do Egito<\/i> (DreamWorks Animation), Mois\u00e9s, ao receber o chamado de Deus, vai falar diretamente\u00a0com o fara\u00f3. Mas a B\u00edblia diz que Ar\u00e3o serviu como int\u00e9rprete. Ent\u00e3o o filme foi distorcido? N\u00e3o. Devemos entender que, se o filme seguisse stricto senso<\/em> o enredo do \u00caxodo, n\u00e3o iria funcionar. Por qu\u00ea? Imagine uma crian\u00e7a vendo o fara\u00f3 falar, Ar\u00e3o ouvir e dizer para Mois\u00e9s. Mois\u00e9s escuta Ar\u00e3o e responde. Ar\u00e3o \u2018traduz\u2019 a resposta para o fara\u00f3. Seria altamente ma\u00e7ante e esquisito. A forma que a DreamWorks achou de a narrativa funcionar<\/strong>\u00a0foi colocando Mois\u00e9s e o fara\u00f3 cara a cara, ainda que n\u00e3o condissesse com o que de fato aconteceu.<\/p>\n Sendo assim, devemos entender a l\u00f3gica interna da narrativa a fim de lhe atribuir qualquer ju\u00edzo de valor. No filme Crep\u00fasculo<\/i> (de Melissa Rosenberg) h\u00e1 uma frase que diz: \u201cPara que voc\u00ea vai viver eternamente se voc\u00ea pode viver 70 anos de plenitude ao meu lado?\u201d. Alguns crist\u00e3os dizem que \u2018claramente\u2019 Crep\u00fasculo<\/em> est\u00e1 falando que a vida eterna n\u00e3o vale a pena! Mas essa \u00e9 uma interpreta\u00e7\u00e3o totalmente estranha \u00e0 narrativa. O contexto da frase \u00e9 muito claro: Edward \u00e9 um vampiro que n\u00e3o morre e que viu v\u00e1rias pessoas durante esse tempo deixarem de existir. \u00c9 um verdadeiro inferno. Ele vivo, por s\u00e9culos dos s\u00e9culos, e v\u00e1rias pessoas ao seu redor indo para o t\u00famulo! \u00c9 nesse mundo<\/strong>\u00a0que a frase faz total sentido (voc\u00ea n\u00e3o concorda?). Da mesma forma que \u00e9 totalmente errado tirar uma frase de um texto b\u00edblico, de seu real contexto, a fim de \u2018provar\u2019 algo, \u00e9 errado tirar uma frase de dentro de toda uma estrutura narrativa ficcional a fim de dizer que o filme defende X ou Y.<\/p>\n N\u00e3o exija realidade de um texto ficcional e n\u00e3o tome a fic\u00e7\u00e3o pela realidade. C\u00f3digo Da Vinci<\/em>, por\u00a0exemplo, \u00e9 fic\u00e7\u00e3o por mais que o autor diga \u00a0que se baseia no documento \u2018verdadeiro\u2019 X ou Y.<\/p>\n 3 \u2013\u00a0Fazendo uma ponte com No\u00e9<\/strong><\/p>\n Dito isto, ent\u00e3o a fic\u00e7\u00e3o n\u00e3o seria errada? N\u00e3o. A B\u00edblia cont\u00e9m fic\u00e7\u00e3o que obedece muito bem a verossimilhan\u00e7a. H\u00e1 \u00e1rvores falantes (Jz 9:7-15). H\u00e1 o seio de Abra\u00e3o e o Hades enquanto um lugar de consci\u00eancia (Lc 16:19-31). H\u00e1 as v\u00e1rias par\u00e1bolas de Jesus. Se fic\u00e7\u00e3o \u00e9 \u2018errado\u2019, ent\u00e3o o Mestre errou!<\/p>\n<\/a><\/p>\n
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